segunda-feira, 19 de abril de 2010

Trivial de Zé do Norte, por Luíz Nassif


Zé do Norte, a pomba arribação
Crônica de 26/09/1999

Tive alguns sonhos na vida. Um, o de ter conhecido Garoto, o multiinstrumentista brasileiro. Mas ele morreu do coração em 1954, quando garoto era eu, com meus quatro anos de idade.

Conheci Luiz Gonzaga pouco depois, fazendo show em praça pública em Poços de Caldas, cidade que abrigou durante certo tempo sua segunda mulher, que padecia de problemas do pulmão, e o filho Gonzaguinha.

Foi um período ainda rico em Poços, que, sem a projeção dada pelo jogo, ainda preservava parte da majestade.

O teatrólogo Oduvaldo Vianna morou por lá um tempo com seu filho Vianinha.

O show de maior sucesso na rádio Cultura era o de Sebastião Leporace, exímio violonista, que compunha uma paródia diária sobre temas do momento. Sebastião era irmão do radialista Vicente Leporace, e pai de Gracinha e Fernando Leporace, que fizeram sucesso na MPB no início dos anos 70.

Os Índios Tabajara também passavam por lá todo ano, tocando violão nas temporadas.

Alguns anos depois, os Índios Tabajara estourariam nos Estados Unidos, com sua fantasia de índio-embora fossem autênticos cearenses- e uma “técnica violonística atlética”.

Poucos músicos brasileiros venderam tanto disco no exterior quanto eles. Soube outro dia que voltaram para o Brasil e estão morando em um sítio no Estado do Rio.

Meu pai tinha uma discoteca de música brasileira de primeiríssima, ainda na época dos discos de 78 rotações. Apreciava “Dora”, de Caymmi -em homenagem ao qual batizei minha filha caçula- , Inezita, Ivon Cury e seu “Amendoim Torradinho”.

Mas um dos autores que ele mais gostava era Zé do Norte. Zé era um Luiz Gonzaga mais rústico e sem carisma.

Estourou no Brasil com a música “Lua Bonita”, da trilha sonora do filme “Lampião, Rei do Cangaço”. Foi uma das músicas que marcaram a nossa infância.

Quase toda noite, minha mãe juntava os filhos no quarto e, enquanto meu pai ia fechar a farmácia, cantava “Lua Bonita” com sua voz límpida: “Lua bonita / se tu não fosse casada / eu ponhava uma escada / e ia no céu te beijar / E se colasse teu frio com meu calor / pedia a Nosso Senhor / pra contigo me casar”.

Essa era a mais conhecida. Mas havia um conjunto de baiões e xaxados rústicos que colocavam o Nordeste inteiro na sala de nossa casa, quando executados na vitrolinha.

Havia o “Ô Zé, quando for para a lagoa / toma cuidado com o balanço da canoa / Ô Zé, faça tudo que quiser / só não me roube o amor dessa mulher”.

Eu dormia sonhando com essa lagoa escura que temia, mas que ao mesmo tempo me atraía por seu perigo e por ser lagoa, que sempre imaginei como um lago calmo.

A música mais pungente de Zé do Norte das que eu conheci era “Pomba Arribação”, um monumento à tristeza nordestina, à seca e aos retirantes, que já sensibilizavam as cabeças infantis da minha geração.
A pomba arribação era o último ser vivo que abandonava o sertão.Quando isso ocorria, nada mais havia a se fazer.

“Pomba arribação quando foge do sertão / deixa tudo em tristeza / deixa tudo em solidão / ai, ai, hum hum hum, ai meu Deus, que maldição”.

A música tinha uns versos lindos na sequência e terminava com: “quando a noite vem chegando / por detrás da serrania / o vaqueiro dá o aboio / se despedindo do dia”. Pareciam puros versos de Patativa do Assaré.
Anos atrás, Zé do Norte apareceu reivindicando a autoria de uma novela de Dias Gomes. Pouca gente levou a sério. Depois, soube que ele estava agasalhando sua velhice no Retiro dos Artistas, em Jacarepaguá.

Outro dia, numa lista de discussão de música popular, me informaram que ele teria falecido em 1979 -tudo isso?

Às vezes acho que esse meu ritmo profissional anda me atrapalhando muito cultivar melhor os meus velhinhos.

Durante anos fiz planos de conhecer Zé do Norte, da mesma maneira que gostaria de ter conhecido os sambistas Antônio Almeida e o coronel Luiz Antônio- de “Lata D’Água na Cabeça” e “Barracão”.

Esses, não deu, mas ainda vou conhecer o Paulo Soledade (de “Vê, estão voltando as flores”) e o violinista Fafá Lemos, antes que me aprontem uma falseta.

Fonte: http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/

Um comentário:

  1. "Lua Bonita" também é minha vida, na voz de minha mãe e da família de irmãs. Viva o Brasil de Zé do Norte, salve o povo que cria arte de primeira, honrosa para nós todos!

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