segunda-feira, 19 de abril de 2010

O Poeta

Na vida fui timoneiro
Sou vento, sou tempestade
Dou a vida e dou o sangue
Por causa da liberdade

A vida é um riacho fundo
Difícil de atravessar
Cada passo, um padre nosso
Que a gente tem que rezar

A mulher, o cadafalso
Para a gente se enforcar
Cada condenado, vítima
Cada vítima, um altar

O poeta tem direito
De falar do coração
Inda morrendo é poeta
Na boca da Imensidão

Na porta da eternidade
Tem um letreiro que diz
Todo poeta aqui entra
Sem ter que ir ao juiz

Seu sofrimento na terra
É sempre tremendo, atroz
É por isso que aqui dizemos
Venham os poetas a nós

Do livro Brasil Sertanejo de Zé do norte

O Filho de Zé do Norte

Por Toninho di Lita ( filho de Zé do Norte )

A propósito da crônica "Trivial de Zé do Norte" de Luíz Nassif, publicado em seu portal e neste blog.

Correção: Zé do Norte faleceu em 4 de janeiro de 1992, em Vila Valqueire – RJ e não no final da década de 70, como andam escrevendo algumas pessoas. Outra correção:Êle não morou e faleceu na Casa dos Artistas. Era uma pessoa totalmenta lúcida e tinha uma situação financeira estável.

Além de suas músicas e da trilha sonora do filme O Cangaceiro, êle também é o autor dos livros,”Brasil Sertanejo “, que foi editado em 1948 e ” Memórias de Zé do Norte “, editado em 1985. Em 2008 foi lançado o livro ” Um Tal Zé Norte “, uma biografia escrita pelo médico e escritor pernambucano Kleber.

Fonte: http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/

Trivial de Zé do Norte, por Luíz Nassif


Zé do Norte, a pomba arribação
Crônica de 26/09/1999

Tive alguns sonhos na vida. Um, o de ter conhecido Garoto, o multiinstrumentista brasileiro. Mas ele morreu do coração em 1954, quando garoto era eu, com meus quatro anos de idade.

Conheci Luiz Gonzaga pouco depois, fazendo show em praça pública em Poços de Caldas, cidade que abrigou durante certo tempo sua segunda mulher, que padecia de problemas do pulmão, e o filho Gonzaguinha.

Foi um período ainda rico em Poços, que, sem a projeção dada pelo jogo, ainda preservava parte da majestade.

O teatrólogo Oduvaldo Vianna morou por lá um tempo com seu filho Vianinha.

O show de maior sucesso na rádio Cultura era o de Sebastião Leporace, exímio violonista, que compunha uma paródia diária sobre temas do momento. Sebastião era irmão do radialista Vicente Leporace, e pai de Gracinha e Fernando Leporace, que fizeram sucesso na MPB no início dos anos 70.

Os Índios Tabajara também passavam por lá todo ano, tocando violão nas temporadas.

Alguns anos depois, os Índios Tabajara estourariam nos Estados Unidos, com sua fantasia de índio-embora fossem autênticos cearenses- e uma “técnica violonística atlética”.

Poucos músicos brasileiros venderam tanto disco no exterior quanto eles. Soube outro dia que voltaram para o Brasil e estão morando em um sítio no Estado do Rio.

Meu pai tinha uma discoteca de música brasileira de primeiríssima, ainda na época dos discos de 78 rotações. Apreciava “Dora”, de Caymmi -em homenagem ao qual batizei minha filha caçula- , Inezita, Ivon Cury e seu “Amendoim Torradinho”.

Mas um dos autores que ele mais gostava era Zé do Norte. Zé era um Luiz Gonzaga mais rústico e sem carisma.

Estourou no Brasil com a música “Lua Bonita”, da trilha sonora do filme “Lampião, Rei do Cangaço”. Foi uma das músicas que marcaram a nossa infância.

Quase toda noite, minha mãe juntava os filhos no quarto e, enquanto meu pai ia fechar a farmácia, cantava “Lua Bonita” com sua voz límpida: “Lua bonita / se tu não fosse casada / eu ponhava uma escada / e ia no céu te beijar / E se colasse teu frio com meu calor / pedia a Nosso Senhor / pra contigo me casar”.

Essa era a mais conhecida. Mas havia um conjunto de baiões e xaxados rústicos que colocavam o Nordeste inteiro na sala de nossa casa, quando executados na vitrolinha.

Havia o “Ô Zé, quando for para a lagoa / toma cuidado com o balanço da canoa / Ô Zé, faça tudo que quiser / só não me roube o amor dessa mulher”.

Eu dormia sonhando com essa lagoa escura que temia, mas que ao mesmo tempo me atraía por seu perigo e por ser lagoa, que sempre imaginei como um lago calmo.

A música mais pungente de Zé do Norte das que eu conheci era “Pomba Arribação”, um monumento à tristeza nordestina, à seca e aos retirantes, que já sensibilizavam as cabeças infantis da minha geração.
A pomba arribação era o último ser vivo que abandonava o sertão.Quando isso ocorria, nada mais havia a se fazer.

“Pomba arribação quando foge do sertão / deixa tudo em tristeza / deixa tudo em solidão / ai, ai, hum hum hum, ai meu Deus, que maldição”.

A música tinha uns versos lindos na sequência e terminava com: “quando a noite vem chegando / por detrás da serrania / o vaqueiro dá o aboio / se despedindo do dia”. Pareciam puros versos de Patativa do Assaré.
Anos atrás, Zé do Norte apareceu reivindicando a autoria de uma novela de Dias Gomes. Pouca gente levou a sério. Depois, soube que ele estava agasalhando sua velhice no Retiro dos Artistas, em Jacarepaguá.

Outro dia, numa lista de discussão de música popular, me informaram que ele teria falecido em 1979 -tudo isso?

Às vezes acho que esse meu ritmo profissional anda me atrapalhando muito cultivar melhor os meus velhinhos.

Durante anos fiz planos de conhecer Zé do Norte, da mesma maneira que gostaria de ter conhecido os sambistas Antônio Almeida e o coronel Luiz Antônio- de “Lata D’Água na Cabeça” e “Barracão”.

Esses, não deu, mas ainda vou conhecer o Paulo Soledade (de “Vê, estão voltando as flores”) e o violinista Fafá Lemos, antes que me aprontem uma falseta.

Fonte: http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/

O pensamento de Zé do Norte


"Eu quero uma mocidade verde e amarela, sã, que trabalhe pelo Brasil, pela música e pela arte, por tudo o que for bom. Dou valor à juventude de hoje, a juventude sã que progride, a juventude que constrói, porque tem que ser assim. Então nós teremos um Brasil liberto, livre! Zé do Norte, compositor".

Não atirem! Somos todos Brasileiros!


"Reunimos aqui diferentes gerações e estilos, o país sem fronteiras de Zé do Norte.
Todos os momentos foram de profunda alegria e emoção como, por exemplo, o de gravar com a cantora e atriz Vanja Orico, hoje com a mesma vontade dos tempos da cantora cigana Boema, sua personagem no primeiro filme de Frederico Fellini. A artista dirigida, no cinema, pelo italiano e por Lima Barreto tem uma humildade de fazer inveja. Em 7 de novembro de 1968, em ataque dos militares contra estudantes, ela imortalizou a frase “Não atirem! Somos todos brasileiros!”no que considera o momento mais importante de sua vida". Socorro Lira.

Socorro Lira e o CD Lua Bonita


Apresentação Socorro Lira

Meu primeiro contato com a canção de Zé do Norte foi, ainda menina, no interior da Paraíba. Ouvia pelo rádio: Sapato de Algodão, Meu Pião, Mulher Rendeira... e outras. Mas foi por volta do ano 2005, quando cheguei a São Paulo, que tive um reencontro fundamental com a obra do autor. Visitando o acervo de Assis Ângelo me dei conta do quanto ela é bonita, valiosa e necessária ao Brasil, nesse momento.

Se hoje temos a necessidade e o dever de olhar para essas coisas que vêm do “interior” - visto que nos encontramos sem rumo em meio às encruzilhadas modernísticas e mercadológicas - Zé já o fez muito antes quando macumba, jongo, coco, catimbó, batuques... era coisa de um povo que não tinha voz fora dos espaços onde essa cultura ficava aparentemente resignada, embora viva e revolucionária como nunca. Este sertanejo, como estudioso da cultura popular, compositor e cantador pensava e sentia o Brasil com profundidade.

Percebi uma familiaridade incrível entre a minha canção e a de Zé do Norte, talvez por termos nascido tão perto, apesar de épocas distintas. Digo perto em todos os sentidos: Cajazeiras e Brejo do Cruz estão ali, no mesmo alto sertão paraibano.

O disco Lua Bonita foi quase todo gravado em 2009, justo ano do centenário de nascimento do homenageado. Mas só o terminamos em 2010 graças à generosidade dos meus convidados e convidadas que cantam e tocam comigo; de amigos e amigas que me apóiam nessas empreitadas. E, claro, pela participação do nosso principal apoiador, o Banco do Nordeste com sua equipe.

Reunimos aqui diferentes gerações e estilos, o país sem fronteiras de Zé do Norte.
Todos os momentos foram de profunda alegria e emoção como, por exemplo, o de gravar com a cantora e atriz Vanja Orico, hoje com a mesma vontade dos tempos da cantora cigana Boema, sua personagem no primeiro filme de Frederico Fellini. A artista dirigida, no cinema, pelo italiano e por Lima Barreto tem uma humildade de fazer inveja. Em 7 de novembro de 1968, em ataque dos militares contra estudantes, ela imortalizou a frase “Não atirem! Somos todos brasileiros!”no que considera o momento mais importante de sua vida.

Zé do Norte escreveu livros sobre o Brasil sertanejo; fez rádio no Rio de Janeiro onde apresentava o nordestinês; fez canções, gravou discos e chegou ao cinema com O Cangaceiro, ao lado de Vanja. Foi criticado em alguns aspectos da sua obra, mas deu sua contribuição. Tinha lá sua visão machista e fazia versos acusando a natureza “malévola” das mulheres - um “cadafalso” para os homens que não sabem o que fazer com um par de chifres.

Sou uma mulher de sorte. Estou feliz por propor à juventude da Paraíba, em especial, uma audição disso que é, também, tão nosso e que nos traduz tanto! A música de Zé do Norte se mistura com a nossa gente, com o Sertão, com o Nordeste, com nosso imenso Brasil.

Socorro Lira, São Paulo, março de 2010.

Quem participa do CD Lua Bonita


Elba Ramalho e Sandra Belê PB), Geraldo Azevedo (PE), Zé Paulo Medeiros (SP) e Vanja Orico (RJ).

Músicos especialmente conviados: Chico Corrêa (PB),Zé da Flauta (PE), Ricardo Vignini (SP), Lifanco e Di Freitas (CE), Jorge Ribbas (PB).